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Octávio Abrunhosa: Uma vida de dádivas e de perdas

10 Julho 2021

Chegou a Moimenta da Beira, pequenino, com três anos quase feitos, o mais novo de dez irmãos. Nasceu perto, em Lamego, em 1924, onde o pai, respeitado pedagogo, conhecido por professor Gomes, dava aulas na Escola Primária Superior. O encerramento da referida escola fez com que o patriarca desta numerosa família fosse colocado em terras moimentenses e criou-se um elo para a vida.

Conta a história familiar, que é pública, que o pai de Octávio Abrunhosa foi o primeiro a ter um carro com matrícula no distrito de Viseu, mas, por infortúnio, morreu cedo, com 50 anos, vítima de cancro, deixando a viúva, Maria José, com o desgosto e uma braçada de filhos. Como era costume nessas épocas, os filhos mais velhos acabam por ajudar os mais novos, conforme a sua própria sorte. Assim aconteceu. Os três mais velhos ajudaram a criar os outros.

Mas antes desta trágica partida, a família instalou-se em Moimenta da Beira e foi aqui que Octávio concluiu os seus estudos primários. Só em 1936, a família foi para o Porto, mas não se desfez da sua casa, onde moraram todos aqueles anos, e da quinta. Com 16 anos, o mais novo dos irmãos já leva apego suficiente pela terra onde se fez rapaz e para nunca se desvincular dela.

Com a ajuda imprescindível dos mais velhos, dois dos irmãos ingressam na Universidade de Coimbra, Rogério forma-se em Medicina; Octávio estuda no Liceu Alexandre Herculano e entra em Direito, concluindo o curso em 1951, profissão que nunca deixou de exercer, apesar de a acumular com várias outras paixões, como homem curioso e com uma vontade de conhecimento abrangente e insaciável.

Curiosamente é com Luís Veiga, natural de Moimenta da Beira, sobre quem também já escrevemos, que faz o estágio para a advocacia. Na cidade do Porto passa a exercer a sua atividade principal, mas não a única.

Apesar de ser considerado um bon-vivant, foi na Universidade de Coimbra, com o seu ar sedutor e moderno que não se distinguiria de um estudante dos tempos de hoje, que conheceu e se apaixonou por Isabel, estudante de Germânicas. Foi com ela que casou e desse amor nasceram três filhos: Paulo, Nuno e Pedro Abrunhosa, o conhecido cantor que, durante muitos anos, veio para Moimenta relaxar da azáfama da vida de espetáculos, saindo de casa para dar caminhadas pela Serra de Leomil, paixão que chegou a tornar pública. Pedro é também Confrade da Maçã. Todos os irmãos ganharam este carinho pelas Terras do Demo.

Na página de Facebook do nosso autor que, Nuno Abrunhosa, o filho do meio, criou em sua homenagem, o pai está descrito assim: “Advogado de formação, é por gosto escritor, cronista, poeta, fotógrafo, astrónomo, arqueólogo, historiador e muito mais, além de ser um Homem com um apego à vida contagiante e com uma forma íntegra e genuína de a abraçar”.

Nos melhores tempos, Octávio Abrunhosa passava as férias judiciais na casa, herdada do pai, no Terreiro das Freiras, e promovia na quinta os encontros dos “Abrunhosa”, que eram muitos. Era um homem de família, amigo dos moimentenses, que, a dada altura, sofreu um rude golpe, quando em 2001 Paulo Abrunhosa morre, aos 43 anos. Paulo, o mais velho dos filhos, que também deixou um livro de poemas escrito: “O Diário de um Dromedário”, muito elogiado pela crítica.

Nesse mesmo ano, mistura-se a maior dor com a edição do seu primeiro livro “Coimbra...Ontem” (1945-1951), as memórias de estudante de Octávio Abrunhosa.

Prestam-se tributos a Paulo, apresenta-se a obra do antigo estudante, ele e a família devassados. Foi a sua época mais produtiva de escrita. “Nihil Obstat”, um livro de poemas em 2005, “O Jogo da Glória” (contos), em 2006, “O Tempo das Travessuras”, em 2009, “Letras para Fados de Coimbra”, em 2018, entre outros. E inúmeros escritos, crónicas, colaborações em livros e jornais, inclusivamente sobre Moimenta.

O advogado era um grande apreciador da Natureza, da arte, dos mistérios e dos prazeres simples. Viveu muito e, quando a sua saúde se debilitou, a família, sobretudo os filhos, netos, sobrinhos rodearam-no de amor. Morreu na Invicta em Maio de 2020, com 96 anos, um ano depois da esposa. 76 anos de amor com Isabel. Mas o último em plena pandemia. Pedro Abrunhosa dedicou-lhe uma música. “Meu pai não vás da nossa mesa. Não me ensinaste tudo ainda. Esperarei de luz acesa. Conta-me histórias de Coimbra”...

Vento que vens da Nave,
Gemendo pelos fraguedos,
Vem contar-me as tuas mágoas
Que eu conto-te os meus segredos!

(Moimenta da Beira, 3 de Setembro de 2004)

 

Fontes:
Biblioteca Nacional
Facebook/Octávio Abrunhosa
Município de Moimenta da Beira
Testemunhos
Foto: Todos os Direitos Reservados ao espólio da família Abrunhosa

Octávio Abrunhosa, estudante em Coimbra