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Luís Carvalho de Almeida: O professor exigente e criativo (parte I)

30 Abril 2021

As andanças da docência trouxeram Luís Carvalho de Almeida de Resende até ao nosso concelho, onde deu aulas nos Arcozelos (Cabo e Torre) durante muitos anos. Parte da vida deste homem de personalidade exigente tem, como todas as que já passaram por esta rubrica, as suas peculiaridades. Por isso dizemos sempre que todas as pessoas que nos passam por um olhar mais atento, das mais simples às mais exuberantes, nos cativam de alguma forma. Fazem-nos rir, chorar, quase sempre ambas.

Luís Carvalho de Almeida era um homem de estatura baixa, ativo e imaginativo, que, acreditamos, terá advindo daí o facto de ser conhecido por todo o lado como professor Carvalhinho. Testemunhos de alguns alunos, que o apanharam no fim da carreira, recordam-no como um professor exigente, favorável se preciso fosse, ao castigo corporal – e havia poucos que escapavam, como era costume na altura, pois um bom corretivo era sinónimo de disciplina.

Tinha também o seu lado surpreendente. O livro de Ciências Naturais, lecionado na Escola Primária que recebia alunos dos Arcozelos, nasceu pelas suas próprias mãos. Inovador, levava os pequenos para aulas de campo e, consoante a matéria dada, atribuía aos seus alunos uma personagem para tornar a aprendizagem interativa. E não só. Cada um era batizado com uma alcunha.

Alguns miúdos achavam graça a isso, outros nem tanto, já de castigos quem iria gostar? Por isso, quando a régua ou a vara dançavam por cima deles vingavam-se baixinho chamando-lhe “carripoto”, que significa apenas um “carvalho de pequeno porte”. Luís Almeida casou nos Arcozelos com Maria Alice Gouveia de Almeida, também professora, irmã do advogado Acácio Gouveia e de professores. Uma família abastada naquelas freguesias.

Proprietários de várias terras, fizeram algumas doações e da quinta no Arcozelo da Torre, onde moravam, vinham as refeições para todos os alunos da Escola Primária, levadas por uma afilhada de crisma de D. Alice, que também frequentava a instituição. Deste matrimónio nasceu uma filha, a quem foi dado o nome da mãe, em 1927, que exerceu a sua profissão na Torre do Tombo, em Lisboa.

Mal ela imaginaria as voltas que se deu nesta pesquisa para descobrir um dado aparentemente fácil: a data de nascimento e de óbito do Professor Carvalhinho. Sem êxito. Acreditamos que até à parte II, ainda assim, este mistério, que nos levou a percorrer várias entidades, serviços e entidades religiosas se desvende de forma simples, já que esta busca pareceu um tanto surreal.

Luís Carvalho de Almeida foi ainda inspetor escolar, reformou-se em 1956, com 52 anos, e só nessa altura tirou a carta de condução. Por conduzir sempre muito devagar, começaram as piadolas que ficaram para a história. Pouco maldosas, apenas entretenimento para o povo. Diria então o professor para a esposa nas suas viagens: “Alice, vai ali à frente ver se vem algum carro na curva”. Ou quando levava o seu típico chapéu bem assente na cabeça: “Deixa-me segurar o chapéu que já vamos 30 (km/h)”.

Apesar destas piadas, Luís Carvalho de Almeida era um homem respeitado, um leitor voraz, um orador talentoso. Nesta altura era já avô de dois, rapaz e rapariga, filhos de Alice, que permaneciam em Lisboa. Tinha uma biblioteca considerável e em 1969 publicou “Euterpe” um livro de poemas, prefaciado pelo próprio e editado pela Gráfica de Lamego, onde demonstra um notável talento para as letras.Deixamos aqui um deles, intervalo para a parte II, na qual contaremos a sua passagem pela política, enquanto Presidente da Câmara de Moimenta da Beira, antes de se dar o 25 de Abril.

SINGELEZA

São os prados, os bosques, os montes,
Claridades e sombras também
O encanto de meus horizontes:
Minha terra, tu és minha Mãe!

Como o tempo... que brando deslize
Na brandura de simples toada!
É das folhas, das águas, da brisa
A harmonia que sempre me agrada.

Dos lameiros cheiroso é o feno,
E tão fresco, e tão leve e macio...
Tem um cheiro, que cheiro ameno
Dum aroma de à beira do rio!

Lá bem longe saudades que tinha,
Destes prados e bosques e montes:
Que sabor a fruta fresquinha,
Que delícia água fresca das fontes!

Para os dedos é mesmo veludo,
Macieza do musgo tão brando;
Como é bom viver isto tudo ─
Sonho lindo que acorda rezando!

Os socalcos ─ canteiros floridos;
Veios de água ─ singelos que são!
Tudo isto inebria os sentidos,
Isto tudo enche o meu coração!!!

 

Fontes:
Testemunhos familiares
Testemunhos de antigos alunos
Outros testemunhos
Foto retirada do livro de Gouveia, Jaime Ricardo - Marte e Minerva nas Terras do Demo

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