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Luís Carvalho de Almeida: Da reforma à Presidência da Câmara (parte II)

13 Maio 2021

Depois de vários anos de docência nos Arcozelos, e reformado aos 52 anos, em 1956, imagina-se que Luís Carvalho de Almeida se dedicou à sua monumental biblioteca caseira, aos passeios de recém- encartado com a sua esposa Alice de Gouveia de Almeida, à poesia que gostava de escrever e outros passatempos que lhe dessem prazer na sua quinta no Arcozelo do Cabo.

Para trás, profissionalmente, deixara a imagem de um homem dual, tanto austero, como, à sua maneira, divertido e justo, que punha alcunhas a todos os alunos e os convidava a vestir o papel de personagens para melhor aprenderem as matérias. Era também “defensor” do castigo corporal, a que os alunos respondiam, chamando-o secretamente de “carripoto (carvalho pequenino), o que combinava com a sua estatura baixa e com o diminutivo por que havia de ficar conhecido: Professor Carvalhinho.

Em 1926, Luís Carvalho de Almeida e Maria Alice tiveram uma filha, Alice, que acabaria por ser funcionária na Torre do Tombo, em Lisboa, e dois netos de quem muito gostava e que receberia com todo o carinho nas suas visitas à Beira.

O livro de Ciências Naturais que se lecionava na Escola Primária foi escrito por ele, assim como foi por iniciativa do casal doar o terreno para a escola que, mais tarde, recebeu também a Junta de Freguesia. Muitos anos mais tarde, em 1969, “Euterpe”, uma compilação de poemas, escritos ao longo dos anos, tem o seu crivo e mostra as suas mágoas e alguns dos seus bálsamos espirituais, ao longo de um período temporal vasto e escorregadio, consoante o crescimento/envelhecimento, as solidões que vêm com a idade e as nostalgias. Acreditamos que terá escrito muito mais.

Luís Carvalho de Almeida fez a diferença, mas deixou-nos, no entanto, uma folha em branco no que toca a datas. Sabe-se que perdeu o neto precocemente, mas não com que idade. Sobre o pai destas duas crianças pouco se sabe que seja crível escrever. Mas é verdade que ninguém nos Arcozelos sabe datas. De praticamente nada. Nem com que idade chegou de Resende, nem quando passou da suposta pacatez da reforma à política, calcula-se entre 1970 e 1974, mesmo em cima da Revolução de Abril.

Nestes quatro anos, fez obras de pavimentação nas estradas, aprovou um aumento de 15% no vencimento dos colaboradores da Câmara. Remodelou o palácio da Justiça e recebeu a visita do Ministro da Justiça, Almeida e Costa e do Governador Civil, Armínio Quintela. Durante a
cerimónia foram muitos os que se juntaram para o aclamar com uma salva de palmas, sobretudo alunos e alunas de várias idades, desde as primárias ao liceu.

Num dos dias em que discursou publicamente para a tomada de posse do novo chefe de Secretaria, as suas palavras revelaram a personalidade de exigência que sempre teve. Dono de uma eloquência marcante, frisou a importância de todos no funcionamento da engrenagem, sobretudo se mantivessem o zelo, qualidades pessoais que só o respeito pelos superiores poderiam ajudar a melhorar. E dos superiores pelos seus superiores e assim por diante. Disciplina que, como até à data, só lhes continuaria a proporcionar a mesma estima, aplauso, confiança.

E quem era, por coincidência, este novo chefe? Um antigo aluno seu. Um aluno dos Arcozelos, Joaquim Rego Telinhos, tão bem comportado que foi “um dos seus diletos”, diz o antigo professor, ao ponto de nunca o constranger “a aplicar-lhe o mais leve castigo”. O Presidente da Câmara que acaba por exercer o seu trabalho político até à Revolução do 25 de Abril de 1974, tinha ele 70 anos, parece ter-se aplicado no seu exercício enquanto autarca: “Este concelho é trabalhoso, por sua extensão e necessidades; difícil por muitas as extensões e incompreensões. Mas a nau há-de singrar, enquanto pandas as velas do nosso entusiasmo”.

A vida de Luís Carvalho de Almeida é ainda recordada por muitos, mesmo na velhice, quando passou a deslocar-se de táxi com a esposa. Mas após a sua morte, cuja data não se encontrou em lado algum, nem arquivos, nem no próprio jazigo, nem na paróquia dos Arcozelos ou na diocese de Lamego, conservatórias local e de Resende, nem entre conhecidos já idosos. Faltava a data de nascimento para ter um ponto de partida, pois era como procurar no vazio.

Calcula-se, no entanto, que o Professor Carvalho terá falecido em meados/finais da década de 90. A filha faleceu em 2006 e a neta voltou à quinta dos avós, onde mora com os caseiros, que só chegaram após a morte do casal. Dali também os documentos foram levados pelo responsável legal, supostamente com escritório em Lisboa, que trata das questões familiares que, entretanto foram surgindo, ligadas a partilhas com outros lados da família. Há quem diga que a biblioteca do Professor Carvalhinho foi levada e muita coisa foi alterada na casa original, não se sabe por ordem de quem. O homem que gostava de tudo em ordem não imaginaria tal coisa.

AOS MEUS NETOS

Já por vós a esperar: ─
A mor saudade a vibrar,
Esta brisa a suspirar,
Perfume que anda no ar,
Botões róseos p´ra abrolhar,
As folhas num sussurrar,
Tanta coisa p´ra acordar,
Águas já a murmurar,
As laranjas do pomar,
Ovelhinhas a pastar,
A “Leoa” a farejar,
“Leõezinhos” a brincar,
Dois “Poquinhas” a saltar,
O portão de par em par,
Pobrezinhos p´ra esmolar,
O brando Sol p´ra aguentar,
Saudosa a luz do luar,
Uma “orquestra” a ensaiar,
O puro orvalho a chorar ─
Inda mais o nosso olhar!

Meus amores, meus Ai- Jesus,
Muitas vezes ─ quantas! ─ quantas! ─
De saudades ─ tantas! ─ tantas! ─
Sinto o peso duma cruz!

Iludo então meus desejos,
Alivio minha pena,
Numa foto tão pequena,
P´ra conter milhares de beijos!

 

Fontes:
Gouveia, Jaime Ricardo- Marte e Minerva nas Terras do Demo (fotos e excerto de um discurso)
Testemunhos familiares
Testemunhos de antigos alunos
Outros testemunhos

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